- Episódio Regular #1

Princípios Básicos do BDSM I

Como já prometido, aqui no Chicotadas a gente vai começar pelo começo. Os primeiros episódios do podcast serão dedicados a um bate-papo descontraído sobre aqueles termos que todo mundo precisa conhecer, até mesmo pra acompanhar todos os episódios que virão depois e que aprofundarão cada uma dessas palavrinhas. No episódio 01, "Princípios Básicos do BDSM I", nossa equipe, @riggerkali, @rainha.ada e @aprendiz_bondage, dão um panorama geral sobre o que o BDSM engloba e conceitos fundamentais como consentimento, baunilha, fetiche, negociação, aftercare, safeword, top, bottom, switcher e muitos outros.

Mas é claro que esse papo não acaba por aqui! No nosso próximo episódio, que lançaremos daqui a duas semanas, a gente vai continuar a conversa sobre termos básicos falando sobre sexualidade e não monogamia no BDSM, bases, red flags, cenas, sessões, eventos, protocolos, space, drop e um pouco mais!

Conta pra gente nas nossas redes sociais o que você achou do nosso primeiro episódio e qual dos temas abordados aqui a gente precisa retomar primeiro e dedicar um episódio inteirinho pra ele o quanto antes!

Participantes: Ada, Hugo, Kali.

A vitrine do episódio tem uma foto de equipamentos BDSM de couro, com luz avermelhada e filtro escuro com o título do episódio e a logo original do Chicotadas (a silhueta de um chicote longo posicionada para lembrar uma onda sonora, dentro de retângulo sólido).

Hugo: [audio no estilo rádio, sintetizado] Atenção, esse conteúdo é produzido por adultos para adultos e não deve ser consumido por menores. Se você ainda não tem 18 anos, nós não damos o nosso consentimento para que você continue escutando.

Ada: Eu sou a Alene ou Ada, mulher cis, demissexual, domme e muito nerd quando o assunto é BDSM.

Hugo: Oi, eu sou o Hugo, homem hétero, cis, switcher, a cota hétero do rolê. Pode me chamar do louco dos prendedores.

Kali: Oi, eu sou a Kali, meu nome baunilha é Patrícia, né, mas todo mundo me conhece por Kali. Tenho 33 anos, sou demigirl, ominissexual, sou top em 99,9% dos casos, exceto quando eu tô com meu dono. Sim, eu tenho dono.

Você está ouvindo o Chicotadas, um podcast entre tapas e cuidados e demais gostos peculiares pelos quais você talvez se interessaria. Aqui nós vamos conversar sobre BDSM, sexualidade, não monogamia, poliamor e estilos de vida alternativos.

Ada: Este podcast é produzido por 3 amigos praticantes e membros ativos da comunidade BDSM com diferentes gostos, anos de estrada e experiências, e a gente espera que você goste de nos ouvir e debater conosco sobre esse universo tão vasto e excitante. E bem-vindo ao primeiro episódio do Chicotadas. Como a gente prometeu, no primeiro episódio e no segundo episódio a gente vai falar de princípios básicos do BDSM, porque a gente precisa começar do começo, né, a gente precisa falar aí alguns termos, entrar na sopa de letrinhas, para os debates que a gente vai fazer a partir do episódio 4, do episódio 5, fazerem mais sentido e a gente não precisar ficar redefinindo esses termos.

No episódio 1 a gente vai falar, claro, de consentimento, do que significa BDSM, do que significa baunilha, do que é kink, do que é fetiche, palavra de segurança, safe, o que é top, bottom, switcher, um pouco sobre negociação, sobre aftercare, sobre limites e etc., tudo que envolve aí esses termos, essas palavrinhas no universo BDSM. Cada um desses termos, na verdade, renderia um episódio completo por si só, tanto o que a gente vai falar nesse episódio 1, quanto o que a gente vai falar no episódio 2. Mas a gente achou que fazia sentido fazer um panorama geral primeiro, e aí depois, no futuro, fazer episódios dedicados para cada uma dessas coisas.

Hugo: Eu diria que tem duas reações a escutar essa introdução da Alene. Ou você já conhece boa parte das siglas e "Ai, de novo?" [Kali ri] Então, calma.

Ada: "Mais um conteúdo sobre isso?"

Hugo: Ou aquela pessoa que escutou isso pela primeira vez e ficou... "Hein?"

Kali: [Ada ri] Aquele "Quê?"

Hugo: "Quê?"

Kali: Bem grande. [Ada ri]

Só aquele meme, né?

Hugo: Então, gostaria de convidar as duas pessoas, a que ficou com o "Quê?" bem grande, para ter calma que a gente vai explicar tudo direitinho e, de fato, são tópicos que a gente vai acabar sempre refalando, mas esses primeiros dois episódios são onde a gente vai realmente parar, pegar na mão e levar.

Kali: Vem com a gente!

Hugo: Para o macaco velho que... "Nossa, escute isso..."

Kali: "Nossa, de novo? Que saco!"

Ada: "De novo..."

Hugo: Infelizmente vai ter muita coisa que você já leu por aí, que não tem muito como ser diferente, mas a gente vai trazer algumas pitadas e tentar trazer alguns exemplos, algumas outras nuances de termos um pouco diferentes do usual.

Kali: E a nossa vivência também.

Hugo: E vai ser em cima desses termos que a gente vai construir toda a nossa narrativa.

Ada: Sempre falando também da nossa experiência, dando exemplos e tal, porque vai ser o basicão do basicão, sim, mas é o basicão por três pessoas praticantes com diferentes perspectivas. Então, espero que seja interessante de acompanhar. E sempre que a gente falar de outros termos lá na frente, a gente vai falar: "Não sabe do que está falando?"

"Do que estamos falando aqui?" "Volta lá para o episódio 1 e episódio 2." Então, a gente espera que realmente tenha bastante conteúdo básico e bacana de ouvir aqui nesses episódios.

Kali: Então, vamos começar com o que a gente precisa para ser BDSM ou que que é raios BDSM?

Ada: Primeiro de tudo, o que é o mais fundamental no BDSM, em todas essas práticas fetichistas? O que a gente mais precisa para a gente enquadrar numa prática saudável de BDSM?

Kali: Consentimento.

Ada: Sempre.

Kali: Eu sempre falo que o consentimento tem que ser explícito, ele não pode ser obtido de forma excusa, ele tem que ser uma coisa voluntária, que a pessoa te dá porque ela quer. Não tem como a pessoa consentir quando ela não está legalmente capaz para isso, isto é, quando ela é menor de idade, ela não é legalmente capaz para consentir.

Não dá para você consentir quando você está sob efeito de drogas, quando você está com muito sono, quando você está alcoolizado, por exemplo, álcool também é uma droga. Quando você está em um estado mental extremamente alterado, por exemplo, no meio de uma crise depressiva ou de ansiedade, quando você está de luto. Tem algumas coisas que tornam a gente legalmente incapaz.

Então, nesses momentos, não dá para a gente consentir com as coisas e também não dá para a gente obter consentimento da outra pessoa. Esse momento, quando você está bem lúcido, bem são, pleno das suas faculdades mentais, esse é o momento em que você vai decidir, eu quero fazer isso, ou não, isso eu não quero, ou eu quero fazer X, Y, Z, mas A, B e C eu não quero. Para ser BDSM ou não é isso, é você parar, analisar aquilo, avaliar se você tem tesão naquilo ou não e até onde você está disposto a ir pelo tesão do teu parceiro também, porque não se trata só do seu tesão, é uma troca sempre, e decidir, eu quero fazer isso e eu não quero fazer isso.

Quando todo mundo diz, isso eu quero fazer, é BDSM. Se alguém diz, isso eu não quero e o outro faz, aí a gente já disca 190.

Ada: É, aí já vai ser abuso e já vai ser crime.

Hugo: Um outro filtro que eu colocaria, além desse da Kali, é que existe a questão de você ter um pouco de receio, mas é diferente do não querer. Você pode ter um pouco de medo, esse frio na barriga faz parte das sensações que estão sendo colocadas ali em jogo.

Kali: É uma delícia.

Hugo: É uma delícia, mas o que deve ser notado também, que é uma vontade que continua por vários dias você estando de boa. Não é uma coisa assim, vamo, vamo, vamo, vamo, na hora. Tanto é que normalmente, por questão de horários, você senta para discutir o contrato, fazer a negociação, num dia você vai acabar jogando, você vai na semana seguinte.

Ok, existem casos e situações que é na mesma hora, mas normalmente se passa um tempo nisso e isso é construído com a vontade de base sua. Não é um arrombo, assim, naquele negócio de ah, eu bebi, tava bêbado e tatuei. Não, é um troço que você...

Kali: Você não faz na loucura, né? Você faz de uma forma pensada, organizada. Você faz isso de uma forma adulta, né?

Ada: Sim, sim. E porque você realmente quer, porque é uma coisa que você vem pensando, que você tá resolvido dentro de você e não porque você tá se sentindo pressionado, porque você vai fazendo um impulso, porque você vai fazendo no meio de uma crise. É muito importante você tá consciente das suas vontades e tá com isso bem claro pra você num momento sóbrio entre pessoas adultas e tudo mais que a gente já falou.

E aí a gente sempre acaba voltando pra esse lugar, né? Sempre acaba voltando pro lugar do consentimento que realmente é o fundamental pra tudo que a gente vai falar nesse podcast.

Hugo: E aproveitando aqui, né? Tanto nesse lugar do consentimento, da negociação, quanto pra gente no podcast, é válido todo e qualquer tipo de pergunta desde que ela seja honesta. Então...

Kali: Sim, por favor.

Hugo: Então quando você tiver com esses medos, esses receios, você vai lá e realmente faça a pergunta e pense na resposta. E caso você tenha sido perguntado, entenda que às vezes é uma preocupação da pessoa que pode não ser pra você, né? Desde os clássicos, onde marca, onde pode ter marcas, até, sei lá, quanto tempo vai levar, esse tipo de coisa, tudo tem que ser conversado.

Kali: É, tipo, isso é uma coisa que é muito engraçado, mas eu recebo às vezes a pergunta do tipo "Ah, mas Kali, você falou que o shibari deixa marcas." "Quanto tempo leva pra sumir uma marca de pressão da corda?" Cara, depende, né?

Claro, a resposta em 99% dos casos é depende, porque se trata de fisiologia, né? Mas eu sempre falo "Ah, leva de alguns minutos a algumas horas." "Quantas horas?"

"Ah, o máximo que eu já vi foi oito." "Ah, oito é um tempo bom pra mim." "Ah, então beleza, então essas marcas estão ok pra mim."

ou "Ah, não, oito horas é muito pra mim." Então não dá. Então você vai ter que usar menos pressão na corda, sei lá. É uma coisa que você negocia, né?

Ada: Caso a caso.

Kali: Então como é que a gente obtém o consentimento? A gente obtém na negociação. A gente senta, a gente vê o que funciona pra gente, né?

Por exemplo, eu, Kali, sou provavelmente igualmente a Alene, a louca da planilha. Eu amo uma planilha, né? Eu tô com uma aberta agora, uma planilha minha, aberta agora, aqui por trás da tela do notebook.

E assim, eu tenho uma escalinha de números de 0 a 5, 0 sendo limites flexíveis e 5 sendo por favor faz que eu amo, por favor quero, e daí vai todas as gradações. E é onde eu vou gradando cada atividade, cada prática, etc. E vou gradando elas conforme o que eu gosto, etc.

E daí eu passo pra outra pessoa a mesma planilha, só que vazia, né? Das gradações, só com as práticas, instrumentos, etc. Algumas situações hipotéticas e tudo mais.

E daí a pessoa preenche e a gente vai atualizando conforme a gente vai mudando, né? Porque cada sessão faz alguma coisa disso aqui mudar, tá ligado? Do tipo, de repente da vontade de você experimentar uma coisa, ou você experimentou e não gostou, etc, etc, etc, né?

Ada: Isso vai mudando e a negociação acaba sendo constante, né? Quando você vive uma relação com alguém, você negocia lá no começo, mas você também nunca para de negociar, né? Porque uma coisa que você não queria muito, às vezes dá vontade de experimentar.

Alguma coisa que você gostava muito, você meio que perde o interesse. Então é uma coisa que é sempre frequente, a gente precisa estar sempre em constante comunicação, que é uma coisa bem básica também, né? Comunicação, consentimento, é sempre muito importante pra tudo que a gente vai fazer.

Bom, mas vamos começar do começo, daquilo que todo mundo que sabe um pouquinho de BDSM já sabe, mas que a gente precisa começar do começo, que são as letrinhas do acrônimo BDSM.

Kali: Vulgo "Sopa de letrinhas" Todo mundo fala, ai, porque a sopa de letrinhas, eu fico tipo, ai gente, mas sopa de letrinhas é tão gostoso, o meu lado age grita, então vamos lá. O que que é o B?

O B, eu acho que quem devia falar é o Hugo, porque ele que é a pessoa que mais curte o B ali, do rolê todo.

Hugo: B de bondage.

Ada: O que que é bondage, Hugo?

Hugo: Bondage, é quando você prende a pessoinha. "Ai Hugo, e dá pra prender com o que?" Normalmente são usados algemas, cordas, fitas, correntes, o próprio corpo, pedaços de tecido e várias afinidades, mas são objetos ou coisas improvisadas ou não, feitas pra prender a pessoa, então esse é o bondage, a ideia de você ou estar contido ou conter uma pessoa ou seus movimentos e tirar essa liberdade. Também entra um pouco de privação de outros sentidos, às vezes.

Kali: Eu posso dizer que eu entro junto com o Hugo na questão do B, né, do BDSM, que basicamente eu estruturei toda a minha vivência do BDSM em cima do B de bondage, porque eu amo shibari, só que pra mim é muito específico, eu não tenho pira em outras formas de restringir a pessoa a não ser o shibari, e recentemente eu tô descobrindo que eu tô gostando até comigo.

Ada: E shibari, o que é o shibari?

Kali: Shibari é o ato de você amarrar alguém, não algo, alguém, sempre alguém, com cordas, preferencialmente de fibra natural, seguindo a estética japonesa, o wabi-sabi, com uma eficácia de mobilização e conexão com a pessoa.

Isso é, você vai passar sensações, uma mensagem, uma vibe através da corda. Essa é a minha pira, e por isso que eu falo que eu sou louca das cordas.

Hugo: Tem uma grande diferença entre o bondage e o shibari. Pra quem pratica, é que o bondage, você prender a pessoa, é o fundamental. E no shibari, o processo é o mais importante.

Então, são coisas diferentes. Eu daria aquela puxadinha de orelha porque existem os artistas do shibari que amarram coisas e ficam bem bonitas.

Kali: Então, se a pedra tá fazendo parte de uma estrutura com uma pessoa, aí eu considero shibari, senão eu considero só arte. Mas isso sou eu, Kali, falando. É a minha experiência, minha vivência, minha opinião.

Se você acha que amarrar a pedra, que nem o Kinoko faz, e fazer uma árvore com a corda e fazer uma puta estrutura, é shibari, massa, tudo bem, tranquilo, cada um com a sua opinião.

Ada: Tá tudo certo.

Hugo: Como vocês podem perceber, a gente tem opiniões diferentes e somos adultos, convivemos com isso.

Kali: Eu acho bem lindo o trabalho dele, acho maravilhoso. É uma arte lazarenta de maravilhosa.

Ada: Bom, vamos para o D. O D vai ser duas palavras, disciplina e dominação. Disciplina vai abranger... Porque o BDSM engloba um número de práticas, de tipos de relação, de fetiches e tudo mais.

A disciplina vai ser o processo de treinar uma outra pessoa, de criar um processo para obediência, treinar, disciplinar e, em muitos casos, também punir para conseguir essa obediência. Óbvio, todo mundo consentindo, todo mundo concordando com isso. Alguma outra...

Hugo: Acho que eu colocarei só que a disciplina faz parte do joguinho de gato e rato, de você dar uma regra, seguir ou não ela e ser punido por não seguir.

Ada: Muito presente nas relações entre tamers e brats. Os disciplinadores e o brat, aquele bottom que gosta de desobedecer para ser punido e provocar e tudo mais. A gente vai falar mais deles no segun-

Hugo: Isso é capítulo 2.

Kali: Desobedientes profissionais, né?

Ada: Sim, desobedientes profissionais. Maravilhoso. [Ada ri]

E aí a gente vai para o outro significado de D que faz duplinha com o primeiro S. - O S também significa duas palavras no acrônimo BDSM- que vai ser dominação e submissão.

Kali: Ah, eu acho que você, como a domme-mor aqui do rolê, né? Devia falar sobre a dominação.

Ada: Então, gente, dominação abrange aquelas pessoas que gostam de mandar, de controlar outras pessoas, de aplicar práticas também, claro. Mas o D de DS está mais voltado para essa ideia de eu gosto de controlar, gosto de mandar, gosto de ter alguém que vai me obedecer. E a submissão vai ser o outro lado.

Kali: O contrário, basicamente, né? É quem gosta de obedecer.

Ada: E quem tem prazer com isso, quem entrega de bom grado o controle para que outra pessoa a controle, mande nela e gosta de obedecer à essa outra pessoa que vai ter mais controle do que ela na situação ali que ambos concordarem.

Ambos ou mais pessoas, né? A gente acaba sempre falando de um top e de um bottom que fica mais fácil de visualizar a situação, mas claro que depende muito de relação pra relação.

Kali: Qualquer combinação é válida, né?

Ada: Qualquer combinação é válida, mas precisa de pelo menos de um top e pelo menos de um bottom para criar essa dinâmica.

Kali: Ou um switcher atuando ou como top ou como bottom no contexto. Mas assim, gente, o que é top e o que é bottom, né? A gente já vai falar.

Hugo: Então, amigue, esse é aquele ponto, principalmente pros novatos, que a pessoa tá... "Nossa, mas eu gosto muito disso, sério." Assim, "Realmente existe uma pessoa que gosta muito daquilo?"

Kali: Existe. Gente...

Hugo: É tipo o esquema do vestido, sabe? Tem pessoas que veem roxo, tem pessoas que veem laranja e...

Kali: Azul ou dourado, azul ou dourado.

Hugo: É, azul ou dourado. E sim, ela vê azul e a outra vê dourado e tá tudo certo. E esse é um jogo muito divertido justamente por isso.

Porque as pessoas gostam muito de cada um dos seus lados.

Kali: Ah, é como as regras da internet, né? Eu não lembro qual que é o número da regra bem certinha do 4chan, mas assim, se existe, vai ter porn. Mano, se existe um fetiche, você pode ter certeza que você não vai estar sozinho nisso.

Eu acho impossível, num mundo com, sei lá, 7 bilhões de pessoas, você estar 100% sozinho, do tipo, só eu tenho fetiche com isso. Tipo, não, véi. Regra 34 da internet.

"Se uma coisa existir, há pornografia dela, sem exceções." Regra 35. "Se não for possível encontrar pornografia de algo, será feito."

Regra 36. "Não importa o que seja, sempre será o fetiche de alguém, sem exceções."

Ada: Se existe uma coisa, existe um fetiche pra aquela coisa. [Ada ri]

Kali: Exatamente. Então assim, eu quero dizer com certeza absoluta: Você jamais vai estar sozinho no seu fetiche. Com certeza vai encontrar alguém.

Hugo: Você sempre vai encontrar a bunda pro seu chicote, ou chicote pra sua bunda.

Kali: Total, gente. Queria dizer que eu comprei um chicote de couro cru, que o dono tá querendo usar em mim, e eu falei, tipo, Não, não, não, não. [Alene dá uma risada maléfica e fala "Se fudeu!" de fundo]

Hugo: Mas pra que comprar, então?

Ada: Comprar pra bater na bunda alheia, vai levar na própria.

Kali: Não vou. Ah, não vou.

É limite rígido. Dá licença? Respeita meus limites. [Kali ri]

Ada: Respeita meus limites, parça.

Kali: Respeita meus limites, parça. Meça seus limites. [Kali e Ada riem]

Hugo: Falando sobre esse conjunto de fetiches, existe um conjunto inteiro envolvendo a dor, sendo receber ou aplicar ela, que é, por acaso, o nosso último S, que é de sadomasoquismo.

Ada: S e M, né? S de sadismo, M de masoquismo. Sim.

E o sadomasoquismo é o termo que engloba tudo e também a pessoa que gosta tanto de infligir dor, quanto de sofrer a dor, de sentir dor. Só que na maioria dos casos a pessoa é ou sádica ou masoquista, né? São poucos os sadomasoquistas por aí mesmo.

Hugo: Nosso objetivo aqui não é entrar nas partes históricas e discutir literatura e ficar apunhetando termos. A gente vem muito do lugar da prática, né? Então não vou discutir quem foi o Marquês de não sei das quantas.

Kali: Nossa, por favor, não, não.

Ada: Até porque já tem gente que faz isso, que faz melhor do que a gente jamais vai fazer. Então aí nos futuros episódios a gente recomenda essas pessoas pra vocês seguirem e aprenderem mais. Mas aqui o que interessa pra gente é que o BDSM é uma coisa recente, que foi realmente estabelecido como uma comunidade ali entre os anos 80 e 90.

Nos anos 90 com a internet começou a ser registrado. Então é tudo muito recente. É coisa assim de 30 anos esse início da sistematização do BDSM, do registro mesmo.

Então acho que isso é o suficiente pra gente aqui, né? Pra quem vai ouvir a gente e vai praticar. Se você tiver mais interesse, pesquisa mais, a gente com certeza vai indicar pessoas e leituras pra vocês acompanharem e lerem.

Kali: É, tem gente que tem uma vibe mais acadêmica, mas a gente aqui é muito mão na massa. A gente gosta muito de falar sobre, de teorizar o BDSM, mas assim, sempre voltado pra essa vibe de tipo assim: Vamos fazer? Vamos ver como é que é? Vamos viver isso? Porque o nosso foco real é viver.

Aproveitar mesmo o que o BDSM tem a nos oferecer. Porque gente, na boa, é muito gostoso.

Ada: No final da sigla BDSM tem o SM, que é o que o Hugo explicou. Que tem o sádico, que é o que gosta de ver a pessoa tendo dor, ou sofrendo, ou causar essa dor e sofrimento. E tem o masoquista que vai sentir prazer com a dor, vai gostar de sofrer a dor.

Kali: Dor física ou psicológica, gente.

Ada: Dor física ou psicológica, sempre importante.

Kali: Eu sempre falo que o masoquista gosta de sofrer. Ponto. Tem gente que gosta de sofrer ouvindo música de corno, sofrência, sertanejo universitário.

Tem gente que gosta de sofrer apanhando na bunda. Tem gente que gosta de receber ordens que são quase impossíveis de cumprir. Mas o masoquista em geral gosta do sofrimento, seja ele físico ou psicológico.

Físico é fácil, né? Você dá um tapa na cara da pessoa, a pessoa já tá tipo, "Meu Deus, que delícia." A galera do sofrimento psicológico, você diz que você vai fazer X se ela não fizer Y.

Mas Y é uma coisa quase impossível dela cumprir. Ela vai ficar ali, "Meu Deus, mas eu não vou conseguir." "Que delícia." [Kali ri]

Ada: É complexo, gente. O importante é ter consciência dos seus prazeres. [Ada ri] E dentro do BDSM tem a relação D/S e tem a relação S/M, que está dentro disso que a gente citou e que a gente vai aprofundar mais no segundo episódio.

Mas é a relação entre dominante e submisso, tipo de relação. E a relação também pode ser SM, relação entre um sádico e um masoquista, ou práticas SM também, sem necessariamente envolver o D e o B. Enfim, tendo alguma dessas letrinhas, você pode se englobar no BDSM.

Você não precisa fazer as quatro para se dizer BDSMer, para se dizer praticante de BDSM. Se você gosta de uma das práticas que está ali e você quer dizer que você é BDSMer, você é BDSMer.

Kali: A autodeclaração é super válida, gente. E tem também a questão de: E quando você não se identifica com nada? ou Quando você quer fazer alguma coisa que não está dentro desse rolê? Qual é o nome para isso?

Tem o paralelo com a sorveteria. A gente diz que é uma prática, alguma coisa, é baunilha. Baunilha por quê?

Porque é um sabor de sorvete delicioso. Mas por que você vai tomar só ele se tem a sorveteria inteira ao teu dispor? E você pode descobrir que você gosta de várias outras coisas de repente.

Ou não. Às vezes você só está curioso, quer experimentar, quer ver, e você decide. Não, realmente, eu provei todos esses sabores incríveis, mas o meu favorito ainda é o sab- ia falar sabonete! [Kali ri alto]

Ainda é o sorvete de baunilha. E tudo bem, não tem nada de errado com você, não tem nada de errado em gostar do que a galera chama de baunilhagem. É gostoso, gente.

É maravilhoso você viver o baunilha. Mas a gente sabe que quando a gente tem esses gostos peculiares e tudo mais, tem uma pimentinha no negócio, também é muito gostoso.

Ada: Eu adorei. Eu adoro essa analogia, que é como se o mundo do prazer fosse uma enorme sorveteria.

Kali: E eu amo sorvete, gente.

Ada: Com 300 sabores. Sim. E tudo bem se você só quiser tomar um sorvete de baunilha, não tem problema.

Ou se você quiser colocar umas gotinhas de chocolate de vez em quando, um pouquinho de pimenta.

Kali: Agora aquela caldinha chocomenta, né? Agora eu tô com fome, gente, poxa. [Kali e Ada riem]

Ada: Então baunilha é tudo que não é BDSM, no fim das contas.

Kali: Aquele seu namoro tradicional, e etc., bonitinho, isso é baunilha. A partir do momento que a sua namorada ou seu namorado ou seu namorade pega o chicote, já não é mais baunilha. A gente costuma dizer que o que não é baunilha é kinky.

É um fetiche. É fetichista. A gente tem alguns termos que a gente usa no universo do BDSM que eles definem uma diferença entre o que é comum e socialmente super bem aceito do que é diferenciado.

Porque eu não vou dizer jamais estranho, porque pra mim isso é muito familiar e muito comum. E não é estranho, no final das contas. A gente normalmente chama de kinky, né?

Em inglês, quer dizer safado.

Hugo: Safadinho. Pervertido.

Kali: Pervertido é gostoso, eu adoro essa palavra, gente. [Kali ri]

Ada: Fetichista, porque a gente vai definir fetiche, fetiche tem uma definição bem específica, mas no dia a dia, no BDSM, pra resumir isso e pra, por exemplo, traduzir o kinky, a gente acaba usando fetiche ou fetichista e por mais que a gente saiba que a definição corretíssima de fetiche é mais específica do que simplesmente tudo o que a gente faz no BDSM.

Kali: A gente usa muito pra simplificar, né? Porque, vamos combinar, ficar usando inglês em todos os termos enche o saco, né? Porque muita gente não fala inglês e todo mundo entende o lance do fetiche e nem todo mundo entende ele como o termo da psiquiatria, do DSM, tipo o negócio super específico e focado dele.

A maioria das pessoas entende como uma coisa leve, do tipo ah, eu tenho, sei lá, fetiche por homens de uniforme e mulheres de uniforme.

Hugo: Mas a definição de fetiche é essa, não?

Kali: Não, fetiche é aquela coisa mais sinistra que, tipo, se você não tiver o objeto do seu fetiche você não consegue ter excitação sexual em momento algum. É a diferença entre a tara, a fantasia e o fetiche. A tara é quando você tem tesão naquilo, do tipo, ah, eu tenho tara, por exemplo, a galera da podolatria, tem tara por pés.

Ou eu tenho tara em ter meus pés estimulados, adorados, whatever. Tem gente que tem fetiche por pés e não consegue ter uma ereção ou ficar molhada se não envolver os pés na transa.

Ada: Tipo, a pessoa que tem a compulsão, assim, a história da pessoa que ataca o pé de alguém em público. Esse é um fetichista, fetichista já virando transtorno parafílico.

Kali: Da psiquiatria, né?

Hugo: Não, não. Isso é parafilia, não?

Kali: Exatamente. No português brasileiro, a parafilia e o fetiche andam de mãos dadas. A tara e a fantasia são as partes leves, que é o que a gente busca no BDSM, né?

Que é você se excitar com coisas, mas você não depende daquilo pra se excitar. Você consegue se excitar só por se excitar, ponto?

Hugo: Não, é porque a ideia do fetiche seria você dar um valor a uma coisa, aquilo que ela não tem. Ou dar um significado a coisa que ela não tem.

Ada: É, mas quem diz que ela não tem?

Kali: Exatamente.

Ada: Né?

Seria aquela coisa de atribuir excitação sexual, especificamente sexual, a objetos inanimados ou partes do corpo que não são geralmente sexualizadas, que não são órgão genital, por exemplo, os pés. Então assim, a pessoa pode ser podólatra e ter uma tara, achar bonito, achar gostoso, ter um tesão naquilo, mas se a pessoa, pela definição, entre aspas, correta da psiquiatria, a pessoa só é fetichista, podólatra fetichista, se ela precisa do pé pra ter qualquer tipo de excitação sexual.

Kali: É, a gente tá falando de pé, mas vale pra qualquer outra coisa, tá, gente?

Ada: Pra qualquer outra coisa, inclusive uniforme, inclusive estátuas, sei lá.

Kali: Qualquer coisa, gente, qualquer coisa. Lençol, travesseiro, bexiga.

Ada: Balão e bexiga, inclusive, é bem popular.

Kali: É um fetiche bem popular, né? Uma coisa bem legal, assim. Eu acho ele tão divertido.

Ada: Deve ser divertido mesmo.

Kali: É uma ideia tão, sei lá, bonitinha.

Ada: E aí no inglês, o que eles chamam de kink, tipo, ah, eu gosto disso. Seria, a tradução mais ou menos correta seria tara, né? Tipo, eu tenho tara por isso, mas eu não tenho fetiche nisso.

Enfim, é complexo, gente. Quando a gente usar fetiche aqui, vai ser de um jeito mais, mais tranquilo. Tipo, ah, esse negócio que eu tenho tara, esse negócio que eu tenho vontade de fazer uma cena, uma sessão desse jeito, assim, assado, acho que vai ser um tesão.

Kali: É, basicamente, a gente trata o fetiche como "eu tenho tesão em"

Ada: Sim.

Kali: Resumindo bem.

Ada: E assim, muitas das coisas que a gente curte, que a gente chama de fetiche e tal, vão ser parafilias, mas não vão ser transtornos parafílicos. O transtorno parafílico vai ser, desde a definição do DSM, né? DSM 5 de 2013, a parafilia não vai ser mais, por si só, um transtorno mental.

E ela vai ser distinguida de transtorno parafílico, que passa a ser o transtorno quando ele vai causar prejuízo ao indivíduo ou a outras pessoas em torno do indivíduo e causa risco de dano a outras pessoas. Então aí vai ser tudo aquilo que a gente comentou, que é feito sem consentimento ou que o próprio paciente, nesse caso, não faz bem pra ele, entendeu? Que vai causar aquele prejuízo à pessoa que tem essa condição.

Foi uma vitória da comunidade BDSM essa atualização, porque nessa situação as parafilias deixaram de ser consideradas transtornos por si só. Só vão ser transtornos nas situações em que é crime, que a pessoa tá fazendo sem consentimento, que não tem nada a ver com o BDSM, como a gente falou já no começo do episódio.

Hugo: Então, em resumo, se aquilo te atrapalha no dia a dia ou se aquilo leva a atrapalhar outras pessoas, ou seja, não tem consentimento delas, sim, você deve procurar ajuda de um profissional porque é um caso clínico. Mas se aquilo tá sendo feito entre quatro paredes e pra vocês que estão ali envolvidos está tudo bem, então tá tudo bem. Vamos voltar um pouco a essa questão clínica-médica, mas a gente sempre recomenda que façam acompanhamento psicológico, porque todo mundo precisa.

Tome água, tome sol, e vá ao psicólogo.

Ada: Então, pra praticar BDSM a gente precisa de pelo menos duas pessoas, correto?

Kali: Correto, eu diria que sim.

Ada: E quais são elas?

Kali: Quem pode ocupar esses lugares? Uma pessoa que ocupe a posição mais ativa de quem manda, de quem faz o outro sofrer, de quem aplica as práticas em uns 80, 90% dos casos, e a pessoa que, na recíproca, obedece, que sofre, que recebe as práticas, etc, né? De quem é mandado.

Ada: Isso, a primeira pessoa vai ser quem?

Kali: O top. E a segunda vai ser o bottom.

Existe uma pessoa que ela é tipo um coringa, que em alguns momentos ela pode querer ser, ou ela pode ser mesmo, né? Top em outros bottom. Não necessariamente com a mesma pessoa, mas também não necessariamente obrigatoriamente com pessoas diferentes.

A pessoa pode querer trocar a posição dela com a outra pessoa e todo mundo ser feliz nessa brincadeira. Tipo o Hugo, né Hugo?

Hugo: Exatamente. Então tem gente que manda, tem gente que obedece, tem gente que faz os dois.

Ada: E quem faz os dois?

Hugo: [Kali e Hugo juntos] É o Switcher.

Kali: Tava vendo na literatura em inglês eles usam muito o termo switch em vez de switcher que é muito a maneira que o brasileiro encontrou de explorar esse nome e tudo mais, né? Ambas as formas de falar são corretas. Basicamente se você falar switcher você vai estar falando em português, né?

Uma palavra brasileirada. E se você falar switch você vai estar falando em inglês, né? Como os gringos falam.

Ada: E as vezes as pessoas abreviam como SW também.

Kali: E eu acho super bizarro porque pra mim é muito muito mais fácil falar switch ou switcher do que falar SW, a sigla inteira, tipo é uma palavra muito mais comprida, S W.

Ada: E S W é uma sigla que significa outra coisa também, né? Tipo, significa sex worker então...

Kali: Sim!

Ada: Fica muito confuso, assim nos grupos e tal. A pessoa tá falando que ela é switch ou que ela é sex worker?

Kali: Né? Fica tipo muito ambíguo, né? Eu prefiro que a pessoa use o termo inteiro.

Eu gosto bastante de falar os negócios como sem as abreviações e tal né? Porque é gostoso, tipo quando você tá se autodescrevendo você explicar aquilo mas isso é porque eu sou meio nerd, né? Acho que a Alene vai me entender nesse aspecto.

Hugo: "Ah, Hugo, mas existem outras posições?" Sim, existem outras variantes dessas posições que a gente vai explicar no próximo episódio.

Kali: Basicamente, dá pra resumir né? Se você não for a pessoa que gosta da especificidade, embora eu conheço muito poucas pessoas que não gostam das especificidades no BDSM. Todo mundo é um bando de fetichistas safados que gosta dessas paradas bem explicadinhas. Ada: Fetichistas e nerds safados, né? Vocês são muito nerds. [Ada ri]

Kali: Amo, gente. Amo.

Tenho fetiche em nerd.

Ada: BDSM é basicamente o sexo nerd. Vamos falar a verdade?

Kali: Vamos. Nossa, concordo. [Kali e Ada riem] Nossa, super sinto isso, gente.

Nossa, me senti tão contemplada agora. Tão contemplada.

Ada: É, cara, porque a gente não vai lá e só transa ou só faz alguma coisa que não é necessariamente sexo, mas é excitante. A gente conversa sobre isso, entendeu?

Kali: A gente debate.

Ada: A gente negocia, a gente debate. A gente senta e conversa sobre horas pra fazer uma prática de meia hora, entendeu?

Kali: De meia hora?

Uns 10 minutinhos ali. Quando muito. [Ada ri] Você negocia exaustivamente o negócio e daí vai fazer um negócio que durou 10 minutos. Aí vocês pensam, nossa, que saco.

Não, gente. A negociação é excitante. A expectativa é excitante.

E quando você efetivamente faz, é muito gostoso. Daí você depois cuida da outra pessoa ou é cuidado pela outra pessoa ou faz os dois. Você cuida enquanto é cuidado, que é a minha vibe favorita.

E é, tipo, muito gostoso. Não é excitante do sexo, mas alimenta a alma, sabe? De um jeito que é tão gostoso.

Hugo: E confortante.

Kali: Eu sou muito nerd do BD.

Ada: E é tão gostoso, assim. "Nossa, mas vocês vão conversar todo esse tempo pra passar metade do tempo fazendo?" Mas, cara, a tranquilidade e o tesão de saber que você tá fazendo tudo que você sabe que a pessoa concorda, que a pessoa topa e que tá no tesão da pessoa e você ter a confiança de que a outra pessoa não vai fazer nada que você não queira.

E que seja limite seu. É uma coisa assim... que as pessoas que só fazem sexo baunilha normativo acho que não tem essa sensação.

Kali: Não vão ter mesmo.

Hugo: Estão perdendo vários sabores.

Kali: Mas é muito louco porque essa entrega de você receber essa entrega ou de você entregar isso e tudo mais é muito louco porque é uma sensação libertadora de você ter certeza de que o que você tá fazendo não vai fazer mal pra outra pessoa.

Ada: Essa fase da gente sentar, conversar e ficar duas horas conversando sobre o que a gente vai fazer é a fase de negociação. Você pode negociar uma prática, negociar uma sessão, negociar uma play.

Kali: E assim, isso é como você obtém o consentimento, né? Você senta, conversa, obtém o consentimento para aquilo, deixa claro o que você gosta, o que você não gosta, o que é limite, o que não é. O que é limite, Hugo?

Diz aí. Qual é o conceito de limite pra nós?

Hugo: Limites são práticas, coisas, assuntos, tópicos lugares do corpo onde não se deve tocar, falar, comentar, fazer, mencionar. Então, pense naquela pessoa que morre de medo de aranha a não ser que ela peça, você não vai apresentar pra ela vídeos de aranha, fotos de aranha, aranha em miniaturas e coisas assim.

Kali: Obrigada, por favor, não façam isso comigo, eu tenho limite com aranhas e insetos creepy crawlies em geral eu tenho pavor disso tudo, odeio. Eu sou aquela pessoa que reage a um assalto na rua e soca a cara do assaltante, mas se tem uma aranha em casa grita e sai correndo e pede pra alguém matar porque eu não consigo.

Ada: Você diria que aranhas são limite flexível ou limite rígido para você?

Kali: Rígido! Nossa, rígido total.

Ada: Nem pensar, né?

Kali: Nem pensar, aranha e qualquer coisa com perninha, na real. A mera ideia de insetos rastejando sobre mim, é tipo: Vermelho, vermelho, vermelho.

Hugo: Eita, “vermelho” vai ser algo que a gente vai explicar no próximo episódio.

Kali: Não, nesse mesmo.

Ada: “Vermelho” a gente vai explicar nesse mesmo.

Kali: É justamente, eu já puxei o vermelho, porque assim gente, quando acontece alguma coisa na sessão numa prática que você pensa assim "Putz, não dá, isso eu não quero mais fazer pelo amor de Deus, para, para agora." que eu preciso parar, eu quero muito parar, isso é tipo chega, eu não aguento mais isso aí.

Ada: Por qualquer motivo que seja.

Kali: Exatamente! Qualquer motivo que seja, tipo, você precisa que pare, tá ligado, não interessa o motivo do porquê que você precisa, mas você precisa que pare? Você joga tua palavra de segurança. Eu disse “vermelho”, porque “vermelho” é a palavra de segurança universal. Quando você fala no meio de uma sessão, ou de uma cena pública, ou de qualquer momento no BDSM você pega e vira pra pessoa e fala "vermelho" todo mundo entende que isso é um "para, agora, por favor."

E assim, tudo que acontecer depois do vermelho é abuso, gente. Não tem outra- outro nome pra isso, tá?

Ada: Qualquer opção que não seja parar tudo imediatamente e ir pro aftercare é abuso.

Kali: E tipo assim, às vezes tem assim, tem aquela coisa do tipo, "Tá, beleza, deixa eu te soltar, tá, beleza vamos parar, mas eu preciso tirar isso aqui, dar uma desmontada em alguma coisa." Porque a gente sabe que existem às vezes a pessoa tá pendurada no teto literalmente então não tem como você parar imediatamente tudo mas você para estímulo, você desliga vibrador, você tira plug, você faz o que você puder ali pra tirar a pessoa daquela situação que deixou ela mal, e pergunta pra ela o que que tá acontecendo, o que exatamente precisa ser parado.

Porque às vezes a pessoa não tá com cabeça, com condições para tipo usar a palavra de segurança de maneira adequada, ela vai esquecer a própria palavra de segurança e vai lembrar só do “vermelho” por exemplo, porque às vezes a pessoa tem, sei lá, “abacaxi” como palavra de segurança, mas “vermelho” é mais fácil de lembrar, então você vai falar vermelho, aí você tipo, "Tá, beleza, parei." "Você tá bem?" "O que que tá rolando?"

Aí a pessoa vai falar assim, eu preciso que pare tal coisa aí você sai da troca de poder, que é a pira do BDSM todo, e entra na conversa horizontal, de igual pra igual. Você fala, "Tá, o que você quer que eu pare?"

Hugo: Nesse sentido é razoavelmente comum, com prática com cordas, a pessoa abaixar a pressão, então ter a sensação de desmaio, a pessoa ter a sensação de vômito. Então são todos motivos pra se parar uma prática, e aguardar então a pessoa falar "Olha, tô achando que vou desmaiar."

Dentro da discussão de segurança da prática, isso é sempre levado em conta. Então, o que fazer e o que não fazer principalmente, quando a pessoa se sente mal, isso vai depender do seu estudo daquela prática, do seu-

Ada: Seus conhecimentos?

Hugo: É, dos seus conhecimentos dos primeiros socorros básicos ali a serem testados em caso desse tipo de incidente acontecer.

Ada: E se a pessoa não conseguir falar uma palavra, se ela estiver com uma mordaça na boca, por exemplo?

Kali: Ah, daí ela pode, por exemplo, combinar, que nem... A galera que luta sabe que três tapinhas é sempre um "pára, pelo amor de Deus, pára." então, três tapinhas é como se fosse o “vermelho” da safe gesture que é o gesto de segurança

Ada: Ah é, "palavra de segurança" em inglês é "safeword". Muita gente vai falar safe word, não exatamente palavra de segurança, então só pra vocês saberem que é a mesma coisa.

Kali: Ou "safe" abreviado. Mas assim, a safe gestual ela pode ser qualquer coisa que você tenha combinado, tipo quando eu ia fazer algum shibari numa festa onde eu sabia que ia estar escuro, eu dava uma bolinha pras pessoas que se ela cair no chão ela quica e ela brilha. Acende um monte de luzinha, faz um escarcéu luminoso, por quê?

Porque ia estar barulho, ia estar escuro, eu não ia conseguir ver o que a pessoa fizesse de gesto, não ia conseguir ouvir o que ela falasse, por causa da música, mas se acendesse uma luzinha eu ia conseguir, então assim, a pessoa fica com o negócio na mão fechada, se a pessoa abrir a mão, o bagulho cai no chão, pisca, eu vejo. 10/10, perfeito. Para tudo e desce.

Eu vi também um top brasileiro que tá morando na Austrália, o Tuxo. Como ele fazia asfixia com restrição de respiração e imobilização com privação de sentidos total na bottom dele, no shibari, fazia umas coisas muito loucas, ele dava uma lanterninha pra ela pra ela acender a lanterninha. Porque ele sempre fazia a meia luz nas amarrações, porque ele gostava mais do clima. Ele dava uma lanterninha que ela fazia click e acendia a lanterna se ela precisasse da safeword, mas eu acho mega importante, sabe? você ter safewords diferentes pra coisas diferentes.

Eu gosto muito do semáforo, né? Que você fala “Amarelo” quando você não quer que pare, mas que você quer que dê um tempo, precisa respirar ou diminuir um pouquinho a intensidade pra você continuar aguentando.

Ada: No caso do “amarelo” a gente sempre conversa sobre o que significa o amarelo pra aquela prática e pra aquela pessoa, porque pra algumas pessoas vai ser, como a Kali falou, pausar pra outra segurar a intensidade pra outra diminuir a intensidade.

Hugo: Mudar de estímulo.

Ada: Ou trocar de instrumento.

Kali: Trocar de estímulo eu, pra mim, o amarelo é sempre eu sempre peço o amarelo pra ele pra ele me deixar respirar um pouco e dar uma paradinha tá ligado?

Ada: Dar um tempinho.

Kali: Porque é complicado, né? Eu sou baby, né? Nesse aspecto, eu comecei ontem como bottom, então tem muita coisa que pra mim é foda de aguentar, e ele é super sádico então é complicado estou sofrendo. [Kali ri]

Ada: Essas palavras de segurança universais vai ser o sistema de semáforo. E outra forma que você pode usar é, por exemplo, você não tá tendo uma resposta muito clara, você tá tentando se comunicar e tá difícil de se comunicar? Ou você para tudo imediatamente ou, um truque que eu aprendi que é muito bom, você pode virar pro seu bottom se você for o top, né? Falar alguma coisa do tipo “Me dá uma cor, que cor que você tá?” Porque aí força a pessoa a parar e falar “verde”, se ela tá bem.

Kali: Avaliar, né? O próprio estado físico e mental também, né? Porque às vezes você tá tão imerso na prática que você não tá avaliando o seu estado mental o seu estado físico, etc. Ada: E aí às vezes na negociação isso aparece, né? Olha, eu costumo ficar não verbal, mas tá tudo bem. Agora se é uma pessoa que não costuma ficar não verbal e de repente será que ela tá bem? “Me dá uma cor.” Se ela não falar nada, aí é sinal pra você parar porque pode ser que tenha alguma coisa errada.

Kali: É uma boa dica, né? Se ela não falar nada é como se ela tivesse dito “vermelho”, né? Porque ela não tá em condições mais de consentir de manter o consentimento, né?

Isso é uma coisa que eu sempre falo o consentimento ele tem que ser livre pra ser dado e retirado. E a safeword é muito importante nisso. A palavra de segurança ela é vital nesse aspecto de você poder retirar.

Eu já ouvi falar por aí nessas discussões intermináveis em grupos de whatsapp e do facebook que a safeword dá poder demais ao bottom e eu fico tipo “Gente, não não, só não.” [Ada ao fundo "Hã? Que absurdo!"] “Cala a boca, cala a sua boca.”

É muito absurdo porque a safeword, na verdade, é o único poder que o bottom tem ali naquele momento. É a única salvaguarda dele de que você não vai fazer alguma coisa com ele que ele realmente não queira, então se você retira isso dele você tá retirando dele o direito de consentir. Então você tá automaticamente transformando isso em abuso.

Hugo: Resumindo novamente: Sem safeword, sem consentimento, então não é BDSM. é abuso.

Kali: E eu peço até desculpas pra quem tá tendo que ouvir a palavra abuso várias vezes aqui mas é muito necessário a gente falar a real, jogar o termo real do que é isso mesmo. Porque a gente não pode ficar atenuando essa questão, a gente tem que ser bem incisivo porque realmente não é uma parada legal de se fazer. Não é uma parada que seja ok. É forte, é pesado, só quem já esteve numa posição de ter seu consentimento violado sabe o desespero que é. Então a gente não pode minimizar isso falando tipo “Ah, isso não é legal.” Não, isso é péssimo, isso é a pior coisa que você pode fazer com uma pessoa, ser humaninho.

Então vamos lá gente, consentimento o tempo todo ele tem que poder ser dado livremente e retirado livremente.

Hugo: Então existem algumas pessoas que colocam, por exemplo, que na punição não existe safeword. Elas estão redondamente erradas, porque o que elas de fato estão cometendo é abuso.

Kali: Safe gente, se de repente a gente vê muitas vezes as pessoas falando assim “Ah, mas porque não sei o que, porque daí o bottom vai usar safe sempre.” Não, não vai. Ele vai te guiar, te balizar aquilo que ele aguenta ou não aguenta até que você pegue o feeling dele. Até que você consiga visualizar aquilo antes do bottom falar tipo, "Aqui é o limite do Hugo" por exemplo. “Ah, eu sei que o Hugo aguenta tal coisa”.

Quando você vai pegando o conhecimento do bottom com quem você joga com frequência, quando o seu top vai pegando conhecimento contigo cara, é muito legal porque você vai desenvolvendo essa relação, essa sincronia, você vai deixando de utilizar aos poucos, mas a safe ainda existe ela ainda está lá. Porque? Porque tem dias que as pessoas com útero acordam menstruadas e naquele dia o seu colo do útero está lá embaixo e daí vem a pessoa que está como top e vai querer fazer um fisting. Gente não dá, não tem condições, dói e dói além do sofrimento que a gente gosta de receber.

Então o que vai acontecer? Vai começar o estímulo, não sei o que e se de repente você perceber que está se encaminhando para um fisting “Opa, não dá.” Safeword tal, e a pessoa vai entender que está tudo bem. “Ah, mas Kali, dá pra fazer-” O que é fisting? Vamos falar sobre isso mais pra frente, isso é uma prática, gente, que ela consiste em colocar a mão inteira dentro da outra pessoa. É bem legal, mas a gente vai falar mais sobre isso num outro episódio, não queimem etapa, tá? Estudem primeiro, por favor depois vocês fazem as coisas.

Ada: O BDSM consciente fica muito mais gostoso.

Kali: E seguro.

Ada: E seguro e saudável.

Bom, nós falamos da negociação falamos um pouquinho de como funciona a prática, de uma forma de parar a prática caso não esteja legal pra uma das partes, mas digamos que a safe foi usada ou que ela não foi usada e que foi uma prática que teve começo, meio e fim acabou gostoso hum, que delícia.

O que acontece, gente? O que precisa acontecer?

Kali: O aftercare, gente. É a melhor parte brincadeira! Tudo é bom, mas o aftercare é tão gostosinho, tão gostosinho.

Ada: E ele pode ter vários formatos, né?

Kali: Sim, é aquele momento em que as pessoas que se envolveram nas práticas vão cuidar umas das outras. Não necessariamente você vai pegar a outra pessoa no colo e deitar de conchinha com ela. Não necessariamente você vai fazer cafuné. Não necessariamente vai acontecer x, y ou z. Você que está praticando e a pessoa que está praticando contigo vão, na negociação sentar e conversar “Olha, quando eu faço coisas meio extremas tipo, bater nos outros, eu fico me sentindo um monstro depois, né?” “Quando eu bato até, sei lá a bunda ficar roxa, 37 tons de roxo eu fico me sentindo um monstro depois então eu preciso de, tipo sei lá, umas palavras de afirmação de que eu não sou um monstro e que eu sou uma pessoa boa depois.” “Ah, quando eu apanho eu gosto de receber uma massagem na bunda.”

Ada: Ou, por exemplo, quando eu conversei com o Hugo sobre a gente jogar, né Hugo? Eu perguntei pra você, quais são as suas necessidades de aftercare, o que você me respondeu?

Hugo: Acho comida, coberta e água, não? E abraço?

Ada: Fini e carinho, fini e carinho.

Kali: Ou, mas peraí para tudo. Gente quem é que não gosta de fini e carinho? Isso é tipo, isso não é uma necessidade de aftercare, isso é uma necessidade da vida, fini e carinho.

Hugo: A Kali comentou que não existe uma regra absoluta, mas existem, vamos dizer assim, boas condutas que é: Hidratar a pessoa, então água, que é a melhor coisa que você pode tomar pra se hidratar. Comida, porque às vezes a pessoa já está há algum bom tempo sem comer. E, normalmente uma roupa, um casaco, uma coberta alguma coisa assim, porque normalmente o sub está ou pelado, ou quase isso então, pra que ele não perca temperatura isso é importante. Então são dicas aí, não são regras escritas na pedra mas são manual de boa conduta.

Ada: E conversa, né, diálogo, feedback. Não precisa ser imediatamente, mas aquele contato contínuo pra saber se está tudo bem se a pessoa ficou bem depois.

Hugo: Exato, é, sempre é bom e é válido no dia seguinte mandar aquela mensagem “E aí? Como é que você acordou? Como é que estão as marquinhas?” Porque é normal, e a gente vai explicar isso mais pra frente, que às vezes as pessoas fiquem tristinhas depois. Isso tem até nome, mas isso fica pra outros capítulos aí.

Kali: Então, sabe essa sensação que o Hugo está descrevendo? Eu estou rolando isso nesse exato momento gente. Que domingo eu tive sessão, sábado eu tive evento, então assim foi uma parada tipo, meu corpinho exauriu as fontes de serotonina, né e eu estou aqui do tipo, chateadinha. Não quer dizer que tenha sido ruim, final de semana, pelo contrário muito pelo contrário e isso está rolando porque ele foi espetacular, e é uma coisa normal.

Daqui a pouquinho, depois que a gente terminar de gravar, eu vou sentar conversar com o meu papi e vamos chegar a um ponto de entendimento sobre isso, eu vou explicar pra ele o que eu estou sentindo e está tudo bem, porque é assim mesmo, isso acontece. O aftercare foi adequado, foi mais que adequado foi excelente! Isso não quer dizer que tenha sido, que faltou aftercare, mas só que isso acontece.

Mas o aftercare ajuda a evitar essa sensação de ruimzinho depois que isso é hormonal, né? Minimizar mesmo a queda hormonal que acontece. O aftercare também é muito legal, que assim, eu não dei feedback ainda 100% do que rolou pra ele. E hoje, no dia seguinte do outro dia do evento, a gente vai falar sobre o evento. O aftercare, ele não precisa ser necessariamente imediato exclusivamente. Ele pode ocorrer parceladinho, mas ele é sempre bom que logo depois ocorra.

E a gente tem que entender também que a gente tem por exemplo, necessidades de contato físico, outras pessoas não gostam e a gente tem que avaliar isso já na negociação pra saber se aquela pessoa vai poder suprir as nossas necessidades do aftercare também, né?

Hugo: Ter tempo disponível para te atender.

Kali: É, tipo isso é muito do autoconhecimento, né? É da tua jornada dentro do BDSM. Eu como top, eu preciso de um big de um aftercare, gente, vocês não tem noção.

Ada: Eu adoro aftercare.

Kali: Você é a rainha do aftercare, né, Alene?

Ada: Eu sou a rainha do aftercare. Se a pessoa vira pra mim e fala “Ai, aftercare, eu só preciso de uma água, e tô pronto, pronto não preciso de mais nada”, eu fico “Mas..”

Kali: “Mas e eu?” [Kali ri]

Ada: “A gente não vai conversar mais? Não vai ter um abracinho? Não vamos comer nada junto? Não sei se eu quero jogar com você não, que coisa mais impessoal.”

Eu tenho eu- Tanto que eu só jogo com pessoas que eu gosto muito, assim, com amigos com pessoas que eu tenho intimidade. Porque acho que eu não gostaria, assim, de ter um aftercare impessoal, um aftercare distante, só aquela conversa, aquele feedback não. Acho que aí eu que teria, que não ficaria bem no dia seguinte, sabe? Porque tops também tem necessidade de aftercare, tá gente? Não é só bottom e só submisso que precisa de aftercare. É pra todo mundo.

Kali: É, tipo pensa, você tá lá fazendo aquela puta cena de humilhação chamando a pessoa de verme pra baixo. Meu, como é que a gente não sai se sentindo numa cena dessas, de você, tipo aspas bem grandes, “agredindo verbalmente o coleguinha.” Uma pessoa que você gosta tipo, tratando ela mal. Tudo bem que é porque ela tem tesão nisso, e você também, mas tipo, mano, abala o psicológico.

Ada: É, mas se a pessoa não vira pra você e fala “Cara, foi muito legal quando você falou aquilo! Eu me senti muito bem, foi incrível!” Se a pessoa não fala algo desse tipo, você acha que você realmente machucou a pessoa de um jeito ruim, entendeu? Então aftercare com feedback é importante pra isso também.

Kali: É, e tipo, é muito muito louco, né?

Você sabe o que eu ouvi sobre você? Esses tempos atrás eu tava conversando com uma amiga nossa em comum e ela disse que um outro top daqui falou que “Ah, porque as práticas, qualquer um pode fazer mas o aftercare tem que ser o da Alene, velho.” Porque você tem muito essa característica, né? A galera te enxerga muito como uma pessoa que dá um bom aftercare, que tem esse cuidado, tem essa sensibilidade com o outro, né?

E eu acho isso bem importante, assim eu queria que as pessoas em geral se espelhassem mais em você, sabia? Sem rasgação de seda não, mas de verdade, assim, porque eu acho muito legal quando as pessoas, elas olham pra alguém e veem cara, isso aqui é uma coisa que eu quero fazer.

Ada: Essa pessoa é alguém que se importa, né, que tem responsabilidade nesse sentido.

Kali: E BDSM, vamos combinar, é tudo sobre você se importar com o que faz as pessoas ticarem, né? Como se cada um fosse uma engrenagenzinha de um relógio e a gente saber o que esse relógio precisa pra funcionar.

Ada: Nossa, ótima analogia, amiga. [Ada ri]

Kali: Na questão de negociação a gente sempre fala o que é limite, o que não é. A gente tá cansado de ver o meme “Quem tem limite é município”, mas no BDSM, os limites são muito importantes, gente, muito importantes.

Assim, as pessoas me abordam querem conversar sobre, saber sobre determinadas práticas se você faz isso ou aquilo, e eu sempre pergunto, “Tá, beleza, me diz aí quais são seus limites rígidos e flexíveis?”

Mas o que é um limite rígido, hein Hugo? Conta pra nós o que você acha que é um limite rígido.

Hugo: Os limites são práticas que você não está- que despertam uma repulsa e você não quer, você não deseja visitar eles. Os limites rígidos são aqueles em que você em hipótese alguma quer visitar ou passar por aquilo, e os flexíveis são pontos que você está, depois de ter estabelecido uma boa intimidade, está disposto a conversar a negociar e a fazer experimentos e tocar naquele entre aspas, ou de forma não técnica, trauma seu, e ir conversando com o seu top sobre isso, sobre a essa prática pra você.

Kali: Eu enxergo assim: O limite rígido pra mim, é tipo aquilo que você não faria, ponto. Do tipo “Kali, você cagaria na minha cara?” Não, jamais, nossa, não não, nem fudendo. “Ah, Kali você mijaria em mim?” Não sei, talvez se pá, isso seria um limite flexível.

Ada: Tipo não mijaria em você agora, mas eu poderia pensar sobre isso.

Kali: É, do tipo isso é, quão importante isso é pra você? Isso é muito importante? Ah, se for, a gente pode ver como é que se faz.

Tipo tanto que na minha gradação, né, da planilha tem assim: Tem o “não”, que é o limite rígido, aí tem o “zero” que é uma, “eu tenho zero interesse em fazer isso, mas se for importante pra caralho pra você, a gente pode sentar e negociar”. Aí tipo, vai gradando, um dois, três, quatro e cinco no nível de interesse, se alguma coisa está no zero, mas é muito importante pra pessoa que está comigo, muito importante mesmo, cara na moral, eu super faria, tá ligado? Eu acho que dá pra eu ceder um pouco às vezes, não sempre. O rígido é aquela coisa que eu não vou ceder ponto e não enche o meu saco.

Hugo: Em resumo o rígido é o que você não faz e o flexível é aquilo que você está disposto a negociar, ver, revisar.

Ada: E o flexível é aquele que tipo não vem fazer em mim hoje, entendeu? Não vem conversar comigo pra fazer agora ou pra fazer semana que vem não, é limite.

Kali: Mas vamos pegar intimidade, vamos com calma por exemplo.

Eu vou dar um exemplo mega forte disso eu estou há dez anos no meio eu tive uma experiência em dois mil e sete-seis, dois mil e seis uma experiência horrível com podolatria que uma pessoa sem o meu consentimento beijou meu pé em público na frente de todo mundo, deu uma lambidona e eu saí correndo. Foi horrível e eu fiquei anos e anos e anos pra conseguir me desvencilhar do trauma. Aí ano passado em dois mil e dezenove, meados de janeiro o sub com quem eu estava negociando, ele é podólatra gente, ele tem um tesão lazarento em pés. Aí ele pediu que o prêmio de poder ser um bom menino e me obedecer perfeitamente uma sessão inteira fosse ele poder beijar meus pés e eu num primeiro momento eu pensei “Não, nem a pau nem fodendo, nossa, nunca na minha vida.” E eu falei não pra ele, eu só falei “Não.”

Na outra sessão ele pediu de novo porque pra ele era muito importante isso, mas pra mim assim, não era um limite rígido. Aí eu parei pensei, pensei, pensei falei “Tá, eu vou pensar no seu caso, você também não está merecendo, então sossega o facho.” Aí, foi evoluindo, a gente foi fazendo mais sessões e um dia ele virou pra mim assim “E aí, você pensou?” E eu tinha pensado bastante eu fui lá e vendei ele, porque eu não queria que ele me visse fazendo cara feia, mas eu resolvi deixar ele porque eu sabia que era importante pra ele, pro prazer dele.

Poxa, se ele fosse assim, cumprisse tudo que eu pedi numa sessão, como é que eu não vou fazer alguma coisa em troca né? Pra pessoinha? Tipo, poxa, seria uma pessoa- eu ia me sentir horrorosa, não fazendo isso. Aí foi, ele beijou meu pé não foi tão horrível assim. Numa outra sessão ele também foi exemplar, porque daí ele falou “Nossa, agora eu quero muito né? Já que você deixou uma vez, por favor deixa mais, senhora.”

Hoje em dia eu tô nos eventos de podolatria, sempre que eu puder, vai ter alguém beijando meu pé. Peguei gosto pela coisa. Hoje em dia eu tenho um Instagram só pros meus pés. Cara, virou assim, uma das minhas práticas favoritas, né? Inclusive o dono gosta.

Ada: Abrindo portas para conhecer novas pessoas, inclusive.

Kali: Não, gente, foi fantástico. Eu conheci ele porque ele viu no Tinder, o meu Instagram fetichista de podolatria. Então estamos juntos hoje por causa disso, né? Obrigada menino que me abriu essa porta.

Esse foi um exemplo prático de um limite que era um limite flexível e se tornou uma prática mega agradável, super desejada. Então assim, é uma coisa que a gente pode mudar, a gente pode rever, né?

Hugo: Então você que tá aí agora já entendendo como a gente pensa um pouquinho mais. Você novato, eu espero que a gente já esteja um pouco menos perdido mas ainda um bocado perdido mas a gente espera contar bastante história. A gente vai contar bastante história e esses termos aí vão fazer cada vez mais sentido.

Ada: Então vamos encerrar esse episódio por aqui a gente deixa as outras definições pro próximo?

Kali: Vamos, eu acho que sim. Acho que já tá bem grandinho, a galera vai ter bastante coisa pra pensar, bastante coisa pra perguntar pra gente.

Então assim né gente? O universo do BDSM, das relações alternativas, ele envolve todo um processo de descoberta e autoconhecimento, né?

E como a gente é um grupo de pessoas em constante evolução, a gente não é especialista nem donos da verdade. A gente tá sujeito a errar. Então se vocês quiserem, vocês podem sempre mandar alguma coisa pra gente pode ser pelo Instagram, pode ser pelo e-mail, qualquer jeito que for. Pode ser no Instagram de cada um de nós, se você quiser falar especificamente do tipo, “Ah, Kali eu queria falar com você, porque foi você que falou bobagem.” Pode ser, não tem problema, né? A gente vai se retratar caso a gente tenha falado bobagem mesmo não se preocupe, tá gente?

Ada: E esse foi o Chicotadas de hoje, nós definimos muitas coisas nesse episódio aqui e no próximo episódio a gente quer falar um pouco mais sobre cena, sessão, space, drop falar do sexo no BDSM, se tem sexo, se não tem sexo “Que história é essa de BDSM não ter sexo?” Falar de não monogamia também

Kali: O que é sexo, também.

Ada: “O que é sexo?” e muitos outros temas básicos aqui que vão servir como base pras nossas outras discussões nos próximos episódios.

[corte, música começa a tocar no fundo] E esse foi o Chicotadas de hoje, obrigada você que nos ouviu até aqui, esperamos que você tenha gostado. Lembrando que nós somos apenas amigos que amam esse universo e que querem tornar o conteúdo sobre BDSM, sexualidades alternativas e não monogamia mais acessível para mais brasileiros. Não temos nenhuma intenção de ser donos da verdade e queremos criar um ambiente saudável para debate com vocês que nos escutam.

Nossos próximos episódios serão lançados a cada duas semanas e esperamos te ver de volta por aqui no próximo!

Chegou o fim da nossa sessão e agora como vocês já sabem o que significa é o momento do aftercare, qual vai ser o aftercare de vocês, gente?

Kali: Ah, eu vou conversar com o papi e depois vou pra aula que eu sou uma estudante universitária. Se Deus quiser, é por pouco tempo.

Hugo: Eu devo jantar, e depois rebolar a raba, será?

Ada: Hugo tá me devendo uma rebolada hein Hugo? Eu vou querer ver isso daí, vou tá cobrando! [Ada ri] Eu vou cozinhar, eu acho que vou fazer uma sopinha hoje, bem gostosa e depois vou ver o Hugo rebolar a raba, se tudo der certo.

Kali: Aproveita o frio

Ada: É isso gente, beijo até o próximo

Kali: Bom aftercare pra vocês!

Verbete

Acessar Dicionário